Encerra-se o primeiro semestre e é natural que se faça um balanço do que vivenciamos nesta primeira metade de 2021 e o que nos espera na segunda metade do ano.
Ao longo do primeiro semestre, o mundo e o Brasil foram desafiados a conviver com uma segunda onda da Covid. Cada país reagiu de forma distinta, combinando diferentes intensidades e durações de lockdown com políticas econômicas de estímulo em magnitudes distintas. Além disso, as estratégias de acordos para contratação e implementação das vacinas também divergiram bastante. Como consequência, houve impactos distintos da segunda onda, com diversos países desenvolvidos registrando efeitos bem mais moderados do que os vivenciados na primeira onda, em contraposição a alguns países, inclusive Brasil e outros latino-americanos, com segunda onda tão ou mais intensa do que a primeira.
Na transição do primeiro para o segundo semestre, está bastante evidenciada a diferença de estágio no controle da pandemia, em particular por ritmos de vacinação bem mais acelerados em alguns países desenvolvidos — principalmente Estados Unidos e Reino Unido —, aceleração recente em países europeus e, mais atrasados no processo, os países latino-americanos. As retomadas econômicas em cada país, evidentemente, continuam bastante condicionadas ao sucesso do controle da pandemia e à capacidade de reabertura das atividades e circulação de pessoas, bens e serviços de forma perene.
Essa retomada ocorre com cadeias de produção ainda desorganizadas e tem produzido pressões de preços, inclusive de commodities, o que pode perdurar por alguns meses, até que a reorganização e reação da oferta ocorram. Entretanto, surgem indícios de reação da oferta em cadeias produtivas de ciclo mais curto, como commodities agrícolas e alguns insumos industriais.
Esse é o contexto global em que o Brasil está inserido no momento: retomada de atividade mais intensa, pressões de preços de curto prazo e estímulos monetários e fiscais ainda vindouros no segundo semestre.
Um dos efeitos desse cenário tem sido a valorização dos preços de commodities, que nos ajudaram muito no primeiro semestre, com ganho de renda dos exportadores e efeitos secundários muito positivos para o comércio, serviços, preços de terras e imóveis nas regiões produtoras. O aumento da renda agrícola ainda estimulará a expansão do produto neste segundo semestre, com tendência a gradual acomodação e desaceleração a partir de 2022.
Do lado do comércio e dos serviços, o Brasil deve se beneficiar nos próximos meses da aceleração do processo de vacinação, alívio gradual do sistema de saúde e possibilidade de relaxamento mais perene das restrições à mobilidade. Há evidente demanda reprimida em alguns setores, tais como educação, tratamentos de saúde menos emergenciais, vendas de vestuário e calçados, restaurantes, viagens, entretenimento, vendas de automóveis, entre outros. É razoável imaginar que uma parte desses setores veja sua demanda se recuperar. Até algumas restrições às viagens ao exterior e importações de bens e insumos por brasileiros devem gerar impulso temporário à demanda interna, ao deslocar parte desse fluxo para viagens domésticas e compra de bens e serviços locais.
Em adição às condições cíclicas que sustentarão a retomada, há evidências de que a reação das empresas e famílias à segunda onda da Covid foi muito mais branda do que o imaginado, em função do aprendizado em lidar com as restrições por parte das empresas, setor público e famílias. Não menos importante, as políticas públicas têm mitigado os efeitos da pandemia, com auxílios emergenciais, isenções tributárias às empresas que mantiveram empregos e medidas de estímulo ao crédito. Esse conjunto de medidas evitou um círculo vicioso mais intenso de queda de demanda, desemprego, inadimplência, contração de crédito e mais queda de demanda, e deve permanecer atuante neste segundo semestre.
Outros vetores de estímulo são: o ciclo de investimentos advindo dos processos de concessão de infraestrutura, que continuará em curso, o avanço no marco legal do saneamento, a agenda 5G e a demanda externa, que deve permanecer firme. Por fim, do lado financeiro, as condições locais permanecem favoráveis, apesar da alta de juros já endereçada, com volume de IPOs intenso, spread de crédito atrativo para empresas e alta demanda de investidores por ativos de risco, com uma aparente inércia favorável do ambiente de juros baixos e bolsa em alta dos últimos anos.
Do lado dos riscos, com o avanço do segundo semestre, é natural que se intensifiquem as discussões sobre a redução de alguns dos suportes extraordinários dos últimos 18 meses. A primeira medida que já começou a ser revertida foi a queda extraordinária dos juros locais para níveis nunca experimentados pelo Brasil, de 2% ao ano. Com a retomada da atividade, alta dos preços das commodities agrícolas e industriais, restrições de oferta em algumas cadeias de produção e no setor de energia, a inflação vem em aceleração desde o final de 2020. Como resposta, o Banco Central já sinalizou que deverá implementar normalização total dos juros até seu nível neutro, o que deve levar a Selic para a faixa de 6,5% a 7,0% no segundo semestre. Assim, o Banco Central tenta evitar que as pressões incialmente localizadas se espalhem e contaminem salários e expectativas de empresários e consumidores, dificultando a convergência da inflação para meta em 2022.
Em tempo distinto, mas na mesma direção, algumas das medidas fiscais que evitaram situação ainda pior ao longo da pandemia devem ser mais moderadas daqui para frente. O auxílio emergencial deve terminar ainda neste ano, as políticas de suporte tributário às empresas que não demitiram tendem a ser reduzidas e, com a aproximação de um ano eleitoral, haverá maior dificuldade para aprovação de novos estímulos em 2022.
Ainda parece haver bons frutos a serem colhidos da retomada cíclica no segundo semestre de 2021, com estímulos econômicos e de saúde em curso e alguma capacidade ociosa remanescente no Brasil. Conforme o ciclo avançar, deve aumentar a atenção aos sinais das autoridades, locais e globais, com relação à redução de estímulos fiscais e monetários. Afinal, 2022 não será um ano qualquer para o Brasil. Haverá eleições presidenciais e, se confirmadas as expectativas de algumas consultorias, os desafios energéticos podem continuar a incomodar.
Fonte: Valor Investe