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Reforma Tributária: cinco medidas que podem afetar as PMEs

O vai e vem nas discussões sobre as mudanças no sistema tributário brasileiro agitam os congressistas e agora, também os empresários brasileiros. No início deste mês, o relator da proposta, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), propôs algumas mudanças no texto original da segunda fase da reforma tributária apresentada pelo Governo Federal e algumas delas impactam diretamente o dia a dia das pequenas e médias empresas.

Alguns exemplos são a redução gradual da alíquota cobrada no Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas (IRPJ), a criação de novas tributações sobre o lucro das empresas e regras mais complexas para a distribuição de bens entre sócios.

Para especialistas ouvidos pela EXAME, as mudanças podem afetar os empreendedores brasileiros, especialmente os proprietários de empresas de médio porte atualmente optantes do regime de tributação do Lucro Presumido.

Na prática, empresas que não fazem parte do Simples Nacional, sistema de tributação facilitado para empreendimentos de pequeno porte, estarão diante de uma maior complexidade tributária. A longo prazo, a situação pode prejudicar as perspectivas de crescimento dessas empresas.

Os principais impactos da reforma tributária para as PMEs

1. Imposto de Renda

Pelo regime de lucro presumido, o cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) se baseia no lucro da empresa, em um cálculo simples de receitas menos despesas. As alíquotas são fixas e presumidas a partir do tamanho e segmento de atuação daquela companhia.

O cálculo hoje segue a seguinte lógica: uma alíquota de 15% para o Imposto de Renda, mais um adicional de 10% sobre a parcela do lucro que exceder 20.000 reais. Também está incluída uma tributação de 9% referente ao CSLL. Assim se chega ao total de 34%, carga tributária média para empresas brasileiras.

O texto da reforma prevê uma redução de 12,5 pontos percentuais da alíquota de IRPJ até 2023, sendo 10 pontos percentuais a menos em 2022 e outros 2,5 a menos em 2023. Com isso, o IRPJ passará a ser de 2,5% daqui a dois anos.

2. Taxação sobre lucros e dividendos

Segundo o relator da proposta, cerca de 1,1 milhão de empresas ativas serão beneficiadas pela diminuição da alíquota de IRPJ. A redução, porém, é vista por especialistas em tributação como uma grande cortina de fumaça para uma nova arrecadação que passará a ser exigida: a tributação sobre lucros e dividendos.

Antes aplicada apenas para holdings e grandes grupos econômicos, a taxação sobre lucros e dividendos passa a ser uma realidade também para as empresas de menor porte. A alíquota adotada será de 20% para a distribuição de lucros feita a acionistas pessoas físicas.

De acordo com o texto da proposta, “os juros pagos ou creditados de modo individualizado ao titular, aos sócios ou aos acionistas, por pessoa jurídica sujeita à tributação com base no lucro real, a título de remuneração do capital próprio, serão calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata die, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP”.

Isso significa que, a partir de 1º de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma pelas pessoas jurídicas, inclusive a pessoas físicas ou jurídicas isentas, ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda.

Pequenas e médias empresas usam esse mecanismo frequentemente para remunerar seus sócios, seja pela não obrigatoriedade de meios mais formais, seja pela isenção — oferecida até então.

A justificativa dada pelo Governo é de que a tributação de lucros e dividendos já é adotada na maioria dos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organização que reúne 37 nações. No entanto, especialistas destacam a disparidade entre as cargas tributárias cobradas a empresas em outros países integrantes do grupo.

Para Talita Pimenta Félix, advogada especialista em direito tributário e sócia do escritório Almeida Advogados, a nova lógica só se aplicaria em países onde a carga tributária já é reduzida – o que não é o caso do Brasil.

“Realmente, o padrão seria similar, mas há uma arrecadação muito superior no Brasil. Os 34% já são bem superiores à média da OCDE. A Hungria, por exemplo, tributa os dividendos a 15%, mas a alíquota para pessoas jurídicas é de apenas 9%”, diz.

A nova tributação, segundo a especialista, também pode gerar ansiedade no ambiente empresarial quando se avalia as chances de que o reinvestimento seja desestimulado.

“Um sócio pode se sentir inseguro em manter participação em uma empresa, já que seus lucros são tributados, e pode optar por não injetar mais capital ali”, diz. “Na melhor das hipóteses, haverá incentivo ao reinvestimento e à não distribuição. Na pior, vai acontecer a distribuição disfarçada de lucros (DDL).”

Para as empresas do Simples, a regra também mudou, mesmo que de forma um pouco mais branda. Hoje, uma empresa que opta pelo regime Simples Nacional pode distribuir lucro livremente, e não há tributação nenhuma sobre lucros e dividendos.

Agora, essas companhias passam a ter uma isenção limitada a 20.000 reais, ou seja, o que exceder esse valor será tributado. “Nada mais é do que uma forma de arrecadar mais”, avalia Fábio Nieves Barreira, sócio da área tributária do Viseu Advogados e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT).

“Ao final das contas, os 20% agora tributados pelos dividendos compensam os ganhos que empresas de menor porte teriam com a redução das alíquotas do IRPJ. Na prática, é possível que os encargos fiquem até maiores”, diz Barreira.

3. Aumento da complexidade tributária

Para conter o que o Governo chama de “distribuição disfarçada de lucros”, o projeto prevê a tributação sobre a distribuição disfarçada de lucros. Em uma explicação simples, pode-se entender que, para estar isenta das cobranças que surgem a partir da tributação de dividendos, as companhias passem a pagar seus sócios com bens materiais ou serviços —  o que será proibido e fiscalizado.

As empresas do Simples e Lucro Presumido podem hoje ter uma contabilidade mais simples, sem a necessidade de discriminar detalhadamente todas as suas movimentações financeiras.

Mas, com a nova fiscalização que surgirá a partir dos riscos de uma distribuição disfarçada de lucros, empresas terão de se resguardar e ter registradas todas as despesas, incluindo a distribuição de bens e serviços.

“A conclusão é que isso ficará mais caro para as PMEs”, diz Barreira. “Quanto mais complexo o trabalho, mais caro pode cobrar um contador. Você aumenta a burocracia e aumenta os custos para as empresas do Simples”.

O texto também prevê que de 20%, a tributação pode chegar a 37% caso seja percebida a distribuição de lucros disfarçada. Nesse caso, os bens e serviços e favorecimentos não serão dedutíveis.

4. Devolução da participação

Segundo o texto da segunda fase da reforma, “os bens e direitos da pessoa jurídica entregues ao titular ou ao sócio ou acionista a título de devolução de sua participação no capital social serão avaliados pelo valor de mercado, exceto se o valor de mercado for inferior ao valor contábil, hipótese em que serão avaliados por este valor”.

Isso significa que, a partir de agora, o titular, sócio ou acionista pessoa física que receber bens e direitos como maneira de ter de volta o capital social injetado em uma pequena ou média empresa deverá informá-los na declaração de bens, relacionando o item ou serviço ao valor antes depositado na empresa. O bem também será avaliado com base em seu valor de mercado, ou seja, seu valor de venda naquele momento.

No entanto, a nova regra vale apenas para a devolução de bens quando um sócio se retira total ou parcialmente da empresa. A regra é outra para a venda da participação acionária, por exemplo.

5.  Sociedade em família

O novo texto também prevê um novo entrave para empresas que mantêm sociedade em família. A regra impõe que, no caso de familiares e parentes até terceiro grau, a divisão de lucros da sociedade só está isenta de tributação até 20.000 reais (totais, não por pessoa).

De acordo com Tatiana, essa mudança afeta negativamente o desempenho das PMEs brasileiras, tradicionalmente familiares. “O IBGE mostra que mais de 90% das empresas brasileiras têm esse perfil de sociedade em família. Uma imposição como essa é um freio para o empreendedorismo nacional”, diz.

Esse ponto da reforma, porém, ainda deve sofrer alterações. Em agosto, após o recesso parlamentar, o relator deve apresentar uma nova proposta.

Na última semana, ele afirmou que recebeu sugestão para não taxar lucros e dividendos das micro e pequenas empresas distribuídos entre pessoas da mesma família, e que levou a ideia para avaliação do governo e dos deputados.

E o VR (vale-refeição)?

O texto elaborado pelo deputado Celso Sabino define um prazo de validade para o incentivo fiscal para vale alimentação e refeição: 31 de dezembro de 2021. Hoje, pessoas jurídicas podem deduzir o dobro das despesas que têm com programas de alimentação do trabalhador, conforme previsto na lei 6.321, de 1976, criada para priorizar os trabalhadores de baixa renda. No entanto, após fortes críticas de entidades do setor e empresas do ramo de benefícios, esse parecer pode ser reavaliado.

Os efeitos de longo prazo

Em comum, os especialistas ouvidos pela EXAME destacam que o conjunto de novas regras pode aumentar a burocracia de micro, pequenas e médias empresas.

Segundo Ribeira, é possível que empreendedores apelem para a ilegalidade ao abrir inúmeros registros empresariais, como estratégia para se manter dentro do regime de tributação do Simples Nacional. “O empresário está sendo induzido a não crescer, pois, caso cresça, será tributado nos lucros e dividendos”, diz.

A longo prazo, o cenário empresarial do país verá um acúmulo de pequenas companhias, e poucas de porte médio. “Teremos um país com proliferação de empresas pequenas e múltiplos CNPJs, ao invés de um país com empresas grandes. Ou teremos empresas muito grandes, ou empresas muito pequenas. Haverá uma concentração indiscutível de mercado”.

Ao analisar os impactos para as pequenas empresas de base tecnológica, as novas exigências de tributação também podem render frutos negativos para o futuro.

Com mais tributação para os sócios, o investidor perde o estímulo para colocar dinheiro em startups brasileiras e o país, em breve, pode ver cair seus índices de inovação, avalia Talita. “É possível que diminua a atração de investimentos estrangeiros, o que é péssimo para as startups”.

Em uma outra frente, o fim da medida de isenção para os benefícios alimentares também preocupa sindicatos e trabalhadores, no caso de empresas de maior porte.

Em entrevista à Exame, o advogado Fabio Capelletti, especialista na área tributária do escritório Azevedo Sette, destaca que a mudança pode significar o aumento da carga tributária para as empresas e um desestímulo à contratação de funcionários com carteira assinada.

Mesmo com meio caminho andado, o futuro da reforma ainda é incerto. Resta saber o que de fato será aprovado daqui a 1 mês e esperar pelas contrapropostas dos representantes de entidades de apoio às micro e pequenas empresas.

Fonte: Exame

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